Segunda vítima

A falta de segurança psicológica nas clínicas e hospitais veterinários é um dos fatores que pode fazer com que os médicos-veterinários sofram graves danos psicológicos por conta dos eventos adversos como erros e acidentes com os pacientes. Erros estes que sempre farão parte da realidade humana. Isso nos leva a outra parte muito importante do projeto de doutorado de Luiz Santos, que trata sobre o tema “síndrome da segunda vítima”

fevereiro 1, 2024
19:44
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Crédito foto: divulgação

Em um mundo onde falar sobre os erros ainda é um tabu, na medicina veterinária esses erros podem custar, além da vida do paciente, a saúde mental dos profissionais envolvidos. O médico-veterinário curitibano Luiz Santos, que atualmente mora em Glasgow, na Escócia (Reino Unido), e trabalha como professor de anestesiologia veterinária na Universidade de Glasgow, é também estudante de PhD (Doutorando) pela Universidade de Queensland, na Austrália, conta que o termo segunda vítima foi cunhado e usado pela primeira vez pelo médico Dr. Albert Wu, professor de política e gestão em saúde da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health (Estados Unidos), em um editorial onde descreve o impacto dos eventos adversos nos profissionais de saúde. “Na medicina veterinária não se fala sobre isso ainda, muitos profissionais desconhecem o termo.  A medicina humana está a mais de 20 anos discutindo e pesquisando essa questão da segunda vítima”, destaca Luiz.

A pesquisa sobre segunda vítima no projeto do Professor Luiz está sendo feita a priori com médicos-veterinários, enfermeiros, internos e residentes da área de anestesiologia veterinária. Os profissionais da área foram questionados sobre a atual estrutura de apoio a segunda vítima onde trabalham e, em breve, os resultados serão divulgados. Confira essa parte da entrevista a seguir:

Vet&Share: O que é segunda vítima?

Luiz Santos: Uma segunda vítima é um profissional da saúde traumatizado em um evento adverso como um erro médico e/ou lesão relacionada ao paciente. Após esse evento, a pessoa se sente pessoalmente responsável pelo que aconteceu, sente que falhou com o paciente, começa a se questionar se é realmente um bom profissional e se deveria estar fazendo aquilo. Aconteceu comigo. Eu tive um cavalo que fraturou a perna durante a recuperação e eu fiquei muito devastado. Há pesquisas sobre erros médicos feitas com anestesistas na área médica nos Estados Unidos e 78% das pessoas têm sintomas como reviver o evento, 62% delas têm sentimento de culpa, 71% sofrem com ansiedade grave, 54% apresentam quadros de depressão.   

É importante destacar a trajetória de uma pessoa que é a segunda vítima, que passa por alguns estágios já conhecidos. Primeiro vem a resposta imediata ao acidente ou ao erro e a pessoa começa a se questionar muito. Depois ela começa a reavaliar o cenário, onde tudo aconteceu, e reviver o acontecimento. Em seguida, há o estágio que o profissional começa a tentar retomar sua integridade pessoal, fazer com que as pessoas a aceitem e buscar por acolhimento de alguma forma. E então, chega o momento em que ela precisa falar com o chefe ou supervisor, por exemplo, momento em que realmente a pessoa se dá conta da seriedade da situação. Chamamos esse momento de “a inquisição”, e o profissional começa a ser bombardeado por perguntas, e se sente alguém que cometeu um crime.

Com o passar do tempo, o indivíduo começa a procurar suporte psicológico e tenta identificar alguém que possa conversar. A partir daí, dependendo do que essa pessoa encontra como apoio, três cenários são possíveis: Há aquelas pessoas que aprendem com o erro e seguem em frente, há aquelas que ‘sobrevivem’, continuam na rotina, mas remoem ainda no psicológico a situação e há aquelas que ficam tão devastadas que saem da profissão ou cometem atos contra a própria vida.

E quais são as principais barreiras enfrentadas?

A maioria das pessoas não procura ajuda e muitas alegam falta de tempo. Porém muitas não sabem nem para onde ir, o que falar e com quem falar. A falta de confidencialidade também é outro fator que faz com que as pessoas não busquem suporte. O que se sabe hoje é que um indivíduo na posição de segunda vítima, quer conversar com alguém da mesma profissão e que vá entender sua situação, normalmente é um colega do trabalho. Na medicina humana nós chamamos de “peer support”. (Suporte entre colegas - é um sistema de ajuda mútua baseado na crença de que alguém que enfrentou/superou adversidades pode oferecer apoio, encorajamento e orientação a outros que enfrentam situações similares). As pessoas que participam do programa de suporte entre colegas deve obrigatoriamente participar de treinamento de primeiros socorros a saúde mental.

Além disso, há muitas outras barreiras que impedem a busca por apoio como a cultura de segurança organizacional inadequada, estigma associada à busca por ajuda e medo de perder o respeito profissional dos colegas ou o próprio emprego.

Como identificar uma segunda vítima?

A pessoa que passa por esse sofrimento psicológico começa a dar sinais como: distanciamento dos colegas, fica mais calada, já não participa de conversas ou encontros que antes costumava participar, apresenta baixa autoestima, se questiona muito.

As pessoas mais empáticas são as que mais estão sujeitas a se tornar segunda vítima, pois se doam muito ao paciente e ao próximo. O meu projeto é focado na área de anestesia veterinária, mas isso pode acontecer em várias áreas e funções que lidam com os animais, enfermeiros, residentes, estagiários etc.

Confira parte 1 no link: O que é segurança psicológica?

Edição 110 - Capa parte 2


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Segunda vítima

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julho 28, 2024
19:44

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