
As falhas são, em sua maioria, por falta de conhecimento do médico-veterinário ou ausência da individualização do paciente
Imagem: Canva
Reportagem de Mariana Perez, jornalista
A médica-veterinária, Camila Molina, percorre o Brasil para ministrar uma palestra com o tema “Os sete pecados da terapia antimicrobiana” que, segundo ela, é um compilado dos erros mais frequentes na rotina veterinária.
O primeiro, de acordo com Camila, é não coletar material para cultura. “O objetivo principal da cultura é a confirmação do foco infeccioso e o reconhecimento do patógeno que está envolvido. Eu só consigo atacar meu inimigo se eu o conheço. É uma questão óbvia, porém, na prática vemos que não é o que a maioria faz. E quando vemos essas combinações absurdas por aí, com força antimicrobiana desnecessária, é resultado da falha de conhecimento sobre a necessidade de isolar o patógeno através da cultura e do teste de sensibilidade a antimicrobianos. Dentro desse primeiro item, há também aqueles casos em que os pacientes recebem o antimicrobiano e depois são coletadas as amostras, o que também não tem indicação, pois o resultado é prejudicado”.
O segundo pecado, é a não priorização do controle do foco infeccioso. “Aqueles focos que têm indicação cirúrgica, não adianta querer aumentar espectro e ação antimicrobiana para agir naquele foco. Infelizmente vemos isso na prática acontecendo em casos de abscessos hepáticos, peritonites sépticas e piometra, por exemplo”.
O terceiro item da lista, é a não utilização da coloração Gram como um aliado. “Vivemos em um cenário muito heterogêneo no Brasil. Em um grande centro urbano é possível ter resultado de uma cultura saindo em 24 ou 48 horas. Por outro lado, há lugares em que a cultura demora mais de 10 dias para chegar. É óbvio que não é possível padronizar o cuidado sendo os recursos disponíveis tão diferentes. E por que a coloração Gram? Porque é uma técnica simples que pode ser realizada dentro da própria clínica. Essa técnica contribui de forma direta para a tomada de decisão empírica (até que o resultado da cultura esteja disponível), pois sabemos que, principalmente nos casos de sepse e choque séptico, a indicação é que a terapia antimicrobiana seja iniciada na primeira hora de atendimento. A técnica de coloração Gram é simples, mas não é muito utilizada por falta de conhecimento ou crença dos veterinários”.
O quarto erro é a não utilização do teste de sensibilidade a antimicrobianos, também conhecido como antibiograma, que avalia a sensibilidade das bactérias aos fármacos. Importante frisar que tal exame deve conter as informações sobre concentração inibitória mínima, que também é importante na tomada de decisão. “É essencial que, além de ser feito, seja realizado da forma correta, pois não adianta ter a informação incompleta. Uma vez que será solicitado à família o investimento neste recurso, é importante que seja o mais completo possível”.
O quinto erro é não individualizar o paciente e querer adotar protocolo fixo, sem se preocupar com o perfil do paciente, por exemplo, se estamos diante de uma infecção nosocomial (hospitalar), se sofreu uma intervenção cirúrgica ou se ele nunca passou por um estabelecimento veterinário e a bactéria pode ser comunitária. “É trabalhosa a prescrição do antimicrobiano e muitas pessoas a fazem de forma generalizada, adotando protocolos que são fadados ao insucesso. Muitos podem dizer que terão um certo percentual de sucesso ao adotar um protocolo fixo, mas para aqueles que perderam seus pets (inseridos na porcentagem que não respondeu à “receita de bolo”) eles eram o “100%”. É preciso individualizar”.
Os dois últimos erros estão relacionados a não conhecer o espectro de ação dos antimicrobianos e não aplicar os princípios de farmacocinética e farmacodinâmica. “É preciso ter um material de consulta rápida para a prática e com o tempo vamos memorizando esse tipo de informação. É preciso construir nosso raciocínio clínico e terapêutico com base nessas informações que são técnicas e sedimentadas. Ao rodar por diversas regiões do Brasil, vejo que essa é uma das principais falhas técnicas por falta de conhecimento. Muitas pessoas nunca nem ouviram falar sobre isso, o que é preocupante. Nesse ponto estamos falando da distribuição do fármaco, como ele se comporta, se é dependente de concentração, ou de tempo, qual a melhor forma de prescrever. Tudo isso imaginando o seguinte: diante de um cenário onde eu tenho poucos antimicrobianos novos sendo lançados, eu preciso trabalhar da melhor forma possível com aqueles que eu tenho. É isso que confere essa otimização do cuidado e não ficar esperando um antimicrobiano revolucionário que resolverá todos os nossos problemas, porque ele não virá! Nossa obrigação é realizar a prescrição de forma coerente, criteriosa e prezando não só pelo bom resultado para o paciente, mas também para a sociedade como um todo”, conclui.
Camila Molina, médica-veterinária, pós-graduada em emergência, terapia intensiva e endocrinologia, mestre em fisiopatologia pela Faculdade de medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), da Recover (certificação em reanimação cardiopulmonar), pelo ACVECC, certificada em cuidados intensivos pela LAVECCS, instrutora da ABC Trauma, atende na área de endocrinologia em dois grandes hospitais veterinários de São Paulo (SP), atende por teleconsulta e é a atual presidente da BVECCS.
Confira as partes 1 e 3 dessa reportagem:
1 - Como a conduta dos veterinários contribui com a resistência das superbactérias? (Parte 1)
3 - Monitoramento da resistência antimicrobiana na medicina humana (Parte 3)
As falhas são, em sua maioria, por falta de conhecimento do médico-veterinário ou ausência da individualização do paciente