O paciente idoso no atendimento veterinário

Giselli Mangeth, médica-veterinária, que abriu o primeiro consultório focado em geriatria veterinária no Rio de Janeiro, fala sobre sua rotina e demandas com os pets seniores

março 1, 2024
19:40
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Sumário

Giselli Mangeth, médica-veterinária com Úrsula sua companheira canina de 16 anos

Crédito foto: divulgação

Reportagem Mariana Perez, da redação

Um olhar cansado, um caminhar mais lento e talvez algumas alterações no organismo, são características naturais do envelhecimento em cães e gatos. Contudo, essas alterações não precisam e não devem ser sinônimos de dor e desconforto. A longevidade é algo cada vez mais comum entre os animais de companhia, o que demanda um olhar diferente na rotina do médico-veterinário.

O rabinho balançando, apetite em dia, interação com os tutores e necessidades fisiológicas normais, são sinais de que, apesar das alterações da idade, há qualidade de vida e um paciente feliz. Ao atender um paciente sênior é preciso cuidado extra devido às condições comuns relacionadas a idade.

E mesmo quando há algum quadro clínico estabelecido como, por exemplo, doença renal, cardiopatia, problemas articulares (o que costuma ser bem comum), um animal idoso pode viver bem se receber os cuidados adequados.

E para falar mais sobre o atendimento desse perfil de paciente, conversamos com a médica-veterinária Giselli Mangeth, que fez pós-graduação em geriatria e abriu o primeiro estabelecimento do Estado do Rio de Janeiro (RJ) com foco em geriatria veterinária. Graduada há mais de 10 anos, Giselli percebeu desde o início da carreira que a demanda para atendimento de animais idosos era alta e decidiu seguir esse caminho. Confira entrevista completa a seguir:

Vet&Share: Para começar, conte-nos o que te fez se interessar pela geriatria veterinária?

Giselli Mangeth: Devido a demanda de pacientes idosos no início da carreira comecei a me interessar um pouco mais pela área, entender mais sobre as patologias inerentes aos idosos como as cardiopatias, nefropatias entre outras. Havia uma possibilidade de pós-graduação, porém esse curso nunca iniciava. Então em 2018, fiz parte da primeira reunião da Sociedade Brasileira de Geriatria Veterinária (SBGV) e me tornei membro fundadora. Nessa oportunidade conseguimos fazer com que o Instituto Qualittas tivesse um número mínimo de alunos para compor a turma de pós em geriatria, a primeira do Estado do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano fiz um intensivo de um mês pela Anclivepa de São Paulo. Desde então, faço muitos cursos de atualização relacionados a especialidade.

Desde recém-formada eu percebi que o paciente idoso demanda mais cuidados e um atendimento personalizado e preventivo. Por exemplo, chega um paciente idoso com uma otite. Alguns veterinários vão apenas medicar e tratar a otite e não vão olhar para o “todo” desse velhinho. Por que não sugerir fazer um exame de sangue? E um exame de imagem? Ele pode não ter sintomas de algo que precisa de tratamento. Eu notei que tinha um lapso no atendimento do animal idoso. E ser um humano idoso já é difícil, imagina para um animal que não consegue falar. Nessa faixa etária eles sentem muitas dores e em alguns casos não demonstram. Por isso, escolher trabalhar com a geriatria tem muito a ver com a minha humanidade com os animais.

V&S: Há demanda de pacientes no Rio de Janeiro quando falamos em geriatria veterinária?

GM: A demanda é alta e a rotina muito rica. O objetivo nos atendimentos é sempre buscar a qualidade de vida dentro dos limites éticos e dignos daquele animal e da família. O animal pode ter várias condições clínicas, mas isso não é sinônimo de indicação de eutanásia, pois não é a idade do paciente que vai determinar isso. Sempre é possível fazer algo por eles, em qualquer situação. É raro os casos que não há o que fazer. Eu não sou contra a eutanásia, mas ela precisa ser indicada com muita cautela e ética.

A médica-veterinária, Giselli Mangeth e Foguinho, paciente canino com 17 anos

V&S: Como é sua rotina envolvendo outras especialidades?

GM: Há muito o que se fazer pelo paciente sênior e eu não trabalho sozinha. Gosto de deixar isso claro também. Trabalho com uma equipe multidisciplinar, porque o idoso demanda isso. O olhar do geriatra é generalista e precisamos sinalizar ao tutor a necessidade de um atendimento mais específico. O meu papel é não deixar nada passar.

Conto com uma equipe parceira de cardiologista, endocrinologista, nefrologista, imagem etc. Há também os tratamentos como acupuntura, fisioterapia, laser terapia e vários contatos de veterinários que trabalham com óleo de cannabis, e tratamentos alternativos. Hoje, o tratamento com óleo de cannabis tem muitas indicações para paciente seniores.

Além disso, os laboratórios e o mercado como um todo estão investindo muito nessa área. Temos a suplementação, da qual sou muito fã. Vejo na prática os resultados de uma suplementação adequada como o uso de antioxidantes, de ômega 3, o quanto isso melhora e prolonga a qualidade de vida dos animais. Por conta de todas essas alternativas disponíveis hoje, consigo oferecer a cada paciente o melhor para ele naquele momento, seja quando falamos de profissionais, medicamentos, estudos etc.

V&S: Pode compartilhar conosco alguns casos da sua rotina?

GM: Atendi recentemente duas gatinhas idosas. Elas apresentavam uma alteração oral crônica, salivavam muito, tinham uma halitose muito forte e só conseguiam ingerir alimentos pastosos. Elas precisavam realmente passar por um procedimento de limpeza com um veterinário especializado em odontologia. Uma delas já tinha até formações na boca, que de início, não dava para saber se era neoplasia ou hiperplasia. Deviam estar sentindo muita dor.

Pedi então os exames pré-operatórios e, se estivessem aptas, não haveria o porquê negar o procedimento para as duas. Ambas estavam aptas e fizeram a limpeza. Uma delas retirou bastante tecido, tanto que os dentinhos nem apareciam mais. A partir daí, voltaram a comer bem. Se essa qualidade de vida for apenas por mais seis meses ou um ano, essa não é a questão. O mais importante é fazer o que é possível de acordo com o quadro no momento.

Outro caso que me marcou bastante, desses que a medicina não consegue explicar, foi uma paciente canina que chegou desenganada, da raça shih-tzu, com 15 anos, em decúbito lateral. Quando comecei a examiná-la percebi uma halitose muito forte. Só de olhar percebi que ela deveria estar descompensada dos rins por conta do hálito urêmico, estava apática e com temperatura baixa. Os exames confirmaram a necessidade de internar. Eu não tenho internamento e não atendo emergência, mas sempre encaminho quando é necessário. Contudo, a tutora não tinha condições de internar. Então fizemos o que pode ser feito em casa, mesmo com todas as críticas condições como, por exemplo, 6.9 de creatinina e 355 de ureia, o que causava a halitose.

A paciente não estava comendo direito e falei para a tutora oferecer qualquer alimento que ela aceitasse, pois nesses momentos o paciente precisa comer para sobreviver e não dá para forçar uma dieta específica. Contudo, a paciente aceitou a dieta renal, foi suplementada e a hidratação foi feita via oral a cada duas horas. Com esses cuidados, mesmo não estando internada, a paciente reagiu bem e a creatinina reduziu para 2.8 e a ureia para 133. Eu tenho aprendido muito com esses casos que precisamos ser criteriosos ao desenganar um animal e uma família.

É importante dizer que não sou contra a eutanásia ética, pois há casos em que ela é realmente necessária. Aqui nesses sete meses de consultório eu tive um caso com indicação de eutanásia, um paciente com metástase pulmonar, que respirava mal, não respondia mais a corticoide e broncodilatador.

A opção seria internar esse animal para ficar no oxigênio, longe da família. Porém, o pulmão não vai regenerar e a indicação foi eutanásia. Cada caso é um caso e a minha rotina tem me ensinado muito.

“É sempre importante fazer um check up geral com pelo menos exame de sangue e imagem. Contudo, um ponto que precisa de muita de atenção, mas ainda é subestimada é a saúde oral”.

V&S: E o que podemos destacar quando se trata de saúde do paciente idoso na veterinária?

GM: É sempre importante fazer um check up geral com pelo menos exame de sangue e imagem. Contudo, um ponto que precisa de muita de atenção, mas ainda é subestimada é a saúde oral.

O paciente precisa comer e precisamos agir quando ele tiver condições de fazer uma boa limpeza, de forma preventiva, e não se preocupar com isso apenas quando ele tiver 15 anos, apresentando várias comorbidades e com doença periodontal grave.  Tenho visto na minha rotina que a saúde oral dos pacientes está sendo subestimada.

Muitos tutores têm noção de que é preciso cuidar da saúde oral, porém é preciso que o veterinário alerte com mais frequência, atualize sempre e reforce a importância. Eu trabalho com uma veterinária da área de odontologia e ela avalia e faz o que precisa ser feito. Sabemos que as doenças vão aparecer ao longo da vida e cada animalzinho terá a sua “cruz”. Mas se esse paciente tiver a boca saudável, ele vai conseguir comer, não terá um foco de infecção grave. Outro ponto que acho importante falar também é sobre a abordagem humana que você tem com o pai e a mãe daquele animal, porque eles não são tutores. Chamamos de tutor, porque é a forma formal, mas eles são pais e mães. Você precisa ter um olhar acolhedor e humano. Mesmo que você considere que aquele tutor deveria ter feito mais exames preventivos necessários, ou cuidado de outra forma, você não vai poder falar isso para ele. Você precisa acolher aquela pessoa. Por exemplo, no caso da paciente de 15 anos que eu mencionei que chegou descompensada, a tutora estava chorando muito e como é que eu vou acusá-la de não ter feito check-up antes? É preciso falar de forma sutil, de forma que aquela pessoa entenda e seja orientada, mas não se sinta julgada ou acusada. Eu costumo explicar aos clientes que vamos rastrear o pet com um exame de sangue, um exame de imagem e de como isso é importante. Você pode ser muito bom tecnicamente, mas não será suficientemente bom se não for humano!

A médica-veterinária, Giselli Mangeth e Rugen, paciente canino com 13 anos

V&S: E que mensagem final você gostaria de deixar para o leitor?

GM: Eu quero deixar aqui a mensagem de que prevenir é tudo e que precisamos olhar com mais cuidado e paciência o idosinho. São tantas as possibilidades de oferecer bem-estar, qualidade de vida, aliviar a dor. O paciente idoso é mais desafiador, mas ao trabalhar em conjunto com outros colegas, é possível atender. O geriatra não é um concorrente do clínico geral, pelo contrário, ele é um aliado e precisamos um dos outros para atender esse paciente que muitas vezes demanda cuidados simultâneos de diferentes especialidades.

E outra mensagem que gostaria de destacar novamente é: Façam profilaxia oral, porque assim teremos muito mais longevidade e qualidade de vida. Além disso, peçam exames de rotina e expliquem aos tutores, somente assim conseguiremos prolongar a vida deles com qualidade.

Edição 111


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111 ∙ geriatria ∙ pacienteidoso

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julho 28, 2024
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