É possível médico-veterinário brasileiro trabalhar nos Estados Unidos?

No país norte-americano faltam médicos-veterinários e estudos mostram que a demanda no mercado de animais de companhia tende a aumentar ainda mais nos próximos anos. Contudo, para um imigrante conseguir abrir portas nesse país, é preciso estar bem preparado para os desafios. Conversamos com a brasileira Tatiana Azevedo, médica-veterinária da área de anestesiologia, que está nos Estados Unidos e conta sobre como está sendo sua experiência

setembro 9, 2024
12:09
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Sumário

Por Mariana Perez, da redação

Antes de falar sobre como atuar nos Estados Unidos, vamos entender um pouco sobre o mercado veterinário de animais de companhia desse país.

O número de animais de estimação também cresceu nos últimos anos, assim como no Brasil, e os Estados Unidos é o país com maior número de cães e gatos do mundo. De acordo com dados da American Veterinary Medical Association (AVMA) são quase 150 milhões de cães e gatos. Segundo dados da Pew Research Center, 62% da população atual no país tem pelo menos um pet em casa e 97% dela considera o animal parte da família.

Por outro lado, o número de médicos-veterinários não acompanha esse crescimento e se mantém estável. Dados do relatório da Mars Veterinary Health mostram que os Estados Unidos precisarão de 55 mil veterinários adicionais até o ano de 2030 para atender as necessidades do mercado pet. Estima-se que os gastos com serviços veterinários devem aumentar em até 4% acima da inflação no país. Representantes do setor como a American Veterinary Medical Association (AVMA), estudam como estimular estudantes a escolher a medicina veterinária. Além disso, novas escolas veterinárias estão sendo avaliadas nos Estados Unidos para iniciar as atividades. De acordo com dados no site do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o National Institute of Food and Agriculture (USDA), existem atualmente 33 faculdades de medicina veterinária nos país.

E você deve estar se perguntando, por que isso acontece?

Um dos principais motivos é o longo e custoso caminho que se tem para chegar à graduação de medicina veterinária nos Estados Unidos. Quem nos conta mais sobre isso, é a brasileira, Tatiana Azevedo, médica-veterinária que atua na área de anestesiologia, e está terras norte-americanas há quase dois anos.

Tatiana Azevedo, médica-veterinária que atua na área de anestesiologia e está nos Estados Unidos há quase dois anos

“Além do número de universidades ser muito inferior ao número no Brasil, fazer universidade aqui não é algo fácil. Você não sai da escola e entra na faculdade de veterinária como no Brasil. Nos Estados Unidos, é preciso fazer outra graduação, chamada de undergrad, onde os alunos fazem cursos como, por exemplo, biologia, ciência animal, durante quatro anos”.

E para cursar medicina, medicina veterinária, odontologia e direito, é preciso ter uma primeira graduação que tenha créditos suficientes para aquela área. Por isso, é importante que o aluno já tenha a informação de quantos créditos são necessários para a segunda graduação.

“Para a medicina veterinária é biologia ou ciência animal. É como se você tivesse toda aquela parte básica da grade universitária do Brasil, em uma universidade antes. Se você fez biologia, você sai como bacharel de biólogo. E com esses créditos, você aplica para as universidades de veterinária e, dependendo, da universidade, a nota de corte pode ser mais alta ou mais baixa”.

Na avaliação de Tatiana, os alunos de medicina veterinária nos Estados Unidos são muito mais maduros, pois já cursaram uma faculdade antes e passaram pela fase da novidade e das festas. Além disso, como todos tiveram o conteúdo básico na primeira graduação, o curso de medicina veterinária é mais focado.

Outro ponto que Tatiana destaca, que é diferente do Brasil, e seleciona ainda mais os profissionais, é a prova de licença após a graduação, que tem o nome de North American Veterinary Licensing Exam (NAVLE), e também faz parte do processo de validação de diplomas de outros países. Nesse link há informações sobre as etapas de validação de diploma nos Estados Unidos: https://ebusiness.avma.org/ECFVG/AVMACertificationMain.aspx

“Todos têm que fazer essa prova. Inclusive os imigrantes se quiserem validar o diploma nos Estados Unidos, é preciso fazer a prova. Dentro dessa prova haverá conteúdo sobre todas as áreas, tanto grandes, quanto pequenos. Então, por mais que o aluno dentro da universidade tenha um foco, seja grande ou pequeno, ele precisa estudar os dois”.

Além disso, cada estado tem a sua legislação. Após conseguir a vaga de estágio na Califórnia, Tatiana precisou fazer uma prova relacionada as leis locais para obter sua licença de veterinária. “Como eu não me formei em uma universidade da Califórnia, eles levaram em consideração que eu não sabia as leis de veterinária da Califórnia”.

Mesmo o médico-veterinário que é cidadão norte-americano, precisa ter a licença do Estado em que vai atuar. “Por exemplo, me formei na Flórida, passei no NAVLE e estou indo para outro lugar, posso começar a atuar, mas a clínica vai pedir a licença do estado e te dar um prazo para isso”.

LEIA TAMBÉM: Como o mercado milionário das universidades desvaloriza a medicina veterinária no Brasil?

E como um médico-veterinário graduado no Brasil pode trabalhar nos Estados Unidos sem validar o diploma?

Para aqueles que não validaram o diploma nos estados Unidos, é possível trabalhar somente em universidades, com uma licença emitida pela própria instituição. Porém, para trabalhar fora das universidades, em estabelecimentos privados, é preciso validar o diploma.

De acordo com Tatiana, o retorno financeiro de clínicas privadas é maior se comparado às instituições de ensino. Além disso, como as universidades são 24 horas, a carga horária é mais pesada. Por outro lado, o atendimento veterinário nas universidades é de excelência e a vivência é muito rica.

“Algo que é muito importante aqui das universidades é que elas são como hospital, então elas têm tudo como ressonância, tomografia, ultrassom, raio x, várias salas de centro cirúrgico, arco cirúrgico etc. Claro que há equipamentos específicos que uma universidade tem e a outra não, mas o básico e necessário tem em todas as universidades”.

Além disso, Tatiana conta que dentro das universidades, os setores do atendimento veterinário se comunicam e colaboram entre si, para ajustar o melhor protocolo para o paciente.

“Todos os professores se ajudam dentro do serviço. Outro ponto que também é muito importante são rounds sobre os casos, feitos semanalmente sobre os pacientes para discutir o que aconteceu com o paciente, o que poderia ter sido feito de diferente, qual foi a conclusão do caso. Isso é o que eu acho mais legal dentro das universidades e é por isso, que por enquanto, eu não tenho vontade de sair de dentro das universidades”.

Os médicos-veterinários de outros países podem encontrar, nas universidades, vagas de residência e vagas de estágio, as chamadas internship. E foi esse o caminho de Tatiana. Ela recorda que, ainda no Brasil, estava em um momento da carreira muito boa, porém incomodada com sua zona de conforto. Foi então que, ao buscar aprimoramento e novos desafios, Tatiana encontrou na página do Colégio Brasileiro de Anestesiologia Veterinária, a divulgação de uma vaga de internship de anestesia na Universidade da Califórnia em Davis. Apesar de restar pouco mais de uma semana para o final das inscrições, ela conseguiu reunir todos os documentos necessários, aplicar para a prova e fazer a entrevista.

Tatiana ficou um ano na Califórnia e, atualmente está trabalhando como assistente de pesquisa, na Universidade da Florida, fazendo pesquisas relacionados a anestesia em cavalos. Ela conta sobre seus planos para a carreira no país, e mesmo gostando de trabalhar em universidades, quer garantir outras possibilidades.

“Eu quero muito é fazer a residência em anestesia. Todo meu caminho é para ser anestesista nos Estados Unidos. E a validação do diploma é para poder trabalhar fora de universidades. Eu quero ter possibilidades”.

Na avaliação de Tatiana, para quem tem interesse em morar no país, é preciso se organizar e ter mais de um plano, o que fica mais fácil ao chegar nos Estados Unidos. E para isso é preciso fazer bons contatos. A vaga em que Tatiana ocupa atualmente foi conquistada por meio do contato de uma amiga que sabia da necessidade de uma professora na Universidade da Florida na área de pesquisa.

 “Se você quer vir para cá e não quer voltar para o Brasil, é preciso criar planos do A a Z, porque os planos podem dar errados. Principalmente para nós que somos imigrantes e dependemos de visto. A partir do momento que você está aqui, você consegue o contato dos professores das universidades, você tem o background para falar que é de tal universidade e fica com um histórico americano que para eles é muito importante”.

E por falar em histórico, é importante lembrar que a vivência profissional de um estrangeiro fora dos Estados Unidos não é muito valorizada pela maioria dos norte-americanos. Tatiana conta que apenas imigrantes costumam valorizar o histórico de outros imigrantes.

 “Minha atual orientadora é italiana, e para ela é muito importante todo meu histórico com anestesia no Brasil. Mas para os meus professores norte-americanos da Universidade de Davis, não eram tão relevantes as minhas conquistas brasileiras e era mais relevante as conquistas dentro dos Estados Unidos”.

Tatiana destaca que isso não precisa ser uma barreira para os brasileiros, pois nós também não gostamos de ver imigrantes ocupando vagas em território brasileiro. 

“Se um americano tem que mostrar que sabe X, nós temos que mostrar que sabemos três X para sermos de fato valorizados. É importante ter isso em mente, até porque estamos no país deles. O mesmo acontece no Brasil, quando um profissional de outro país ocupa o lugar de um brasileiro. Então, se eu quero uma vaga e estou concorrendo com um americano, não dá para concorrer de igual para igual. Estou querendo a vaga que é dele, no país dele. É preciso mostrar que eu sei mais e tenho mais para oferecer. Mesmo porque, é mais burocrático e custoso para uma universidade contratar um estudante internacional do que um americano”.

E como encontrar vagas de estágio ou residência nas universidades?

De acordo com Tatiana, existe um site que canaliza a maioria das vagas das universidades (estágio ou residência), chamado Veterinary Internship &

Residency Matching Program (VIRMP): https://www.virmp.org/

Nesse site, também há empresas privadas que oferecem vagas, mas nesse caso, só pode aplicar, quem tem o diploma validado.

Há universidades que fazem seleções para programas de algumas especialidades pelo site VIRMP, e de outras especialidades, direto pelo site da própria universidade.

Foi o caso da vaga de estágio em anestesiologia de Tatiana, na Califórnia, que na época, fez sua inscrição direto pelo site da Universidade da Califórnia em Davis.

Seja pelo VIRMP ou pelo no site da própria universidade, é possível consultar todas as informações relacionas à vaga como o valor da bolsa (remuneração), as horas de trabalho, os dias de férias, entre outras informações.

Os candidatos para as vagas em universidades norte-americanas não fazem nenhuma prova e a seleção é feita pela análise de currículo, carta de recomendação e uma entrevista.

Além disso, para as vagas de residência, em qualquer especialidade, o candidato obrigatoriamente tem que comprovar ter um ano de experiência em clínica geral ou ter feito o internship nos Estados Unidos.

“Eu tive que comprovar que comprovar que trabalhei um ano na prática geral no Brasil para poder fazer o internship de anestesia nos Estados Unidos. O internship da especialidade, que não é a residência, é como se fosse um preparatório para ter mais experiência com aquela especialidade. Já para o internship rotation, que é o estágio onde o aluno passa por várias áreas, basta ser formado para conseguir aplicar”.

Um ponto muito importante ao aplicar para essas vagas, além de toda a documentação, é a carta de recomendação, que deve ser solicitada para professores que podem falar sobre o histórico do aluno.

“E como que vai funcionar. Você vai pedir a carta de recomendação para os seus professores, em seguida irá gerar um link pelo próprio site e colocar o e-mail desse professor no site. O site irá automaticamente enviar o link para aquele e-mail e o professor poderá fazer sua carta de recomendação. O aluno não tem acesso a carta de recomendação. A carta de recomendação ficará ali arquivada no seu perfil, mas você não tem acesso a ela e você não sabe como foi sua carta de recomendação. Outra pergunta, que normalmente fazem é: as cartas de recomendação precisam ser obrigatoriamente de pessoas americanas? Não, elas podem ser de brasileiros, não tem problema nenhum. Uma coisa que eu acho importante é pedir a carta de recomendação para pessoas que sejam referência naquela área, e que tenham certificação do colégio brasileiro daquela especialidade. É importante, porque, por mais que eles não sejam conhecidos na América do Norte, eles vão reconhecer que é um especialista na área. Então peça para esses professores”.

Ao buscar uma vaga, é preciso verificar as universidades que aceitem estudantes internacionais. Algumas universidades não aceitam estudantes internacionais devido a algum impedimento feito pela imigração dos Estados Unidos com relação a autorização para os vistos, o que impede a instituição de ensino de receber alunos de outros países.  

Outro fator essencial para conseguir uma vaga é o nível de inglês e a realização da prova de proficiência. Os exames mais conhecidos são o International English Language Testing System (IELTS) e o Test of English as a Foreign Language (TOEFL). Nos Estados Unidos o mais comum e aceito pelas universidades é o TOEFL: www.ets.org

Tatiana conta que cada universidade pode pedir uma pontuação em cada seção do exame que são: reading, listening, speaking e writing. O TOEFL disponibiliza um recurso chamado My Best Score, que é a combinação das melhores pontuações do candidato em cada seção para atingir a pontuação pedida pela universidade. Só não é possível utilizar o My Best Score para a validação do diploma, que exige a pontuação mínima de cada seção em uma única prova.  

O conhecimento em inglês de Tatiana, ajudou na conquista pela vaga. Contudo, no início, Tatiana sentiu dificuldades com o vocabulário técnico médico em inglês, que não estava acostumada. Por isso, ela aconselha a estudar o inglês técnico. “Estude inglês médico, faz uma pesquisa, lê alguns artigos e procura palavras especificas da sua área, pois é importante. Quando eu entrei na universidade, o inglês médico eu não tinha”.

Tatiana acredita, que mesmo para aqueles que não querem morar nos Estados Unidos, é importante ter essa experiência e fazer essa troca de conhecimento entre os países. “Podemos vir, trocar, fazer ciência, conhecer pessoas que são tão renomadas quanto a gente, conhecer formas de trabalho para implementar. E pode acontecer o contrário também, você trazer uma nova forma de fazer, um raciocínio clínico diferente, um manejo com o paciente que eles não conhecem. Não é preciso ficar aqui, mas é importante saber que há portas abertas e existe essa troca de conhecimento que é muito legal. Eles têm outra visão da medicina veterinária, de como um país trabalha, de como funcionam as coisas”, conclui.

Confira no formato áudio, nas plataformas do Youtube e Spotify

Reportagem da editoria Carreira Internacional da edição 117.


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outubro 17, 2024
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