
Muitas pessoas se dizem sem tempo para o descanso ou se sentem culpadas quando estão em um momento que consideram “não produtivo”. Contudo, os diferentes momentos de descanso, que vai além de uma boa noite de sono, são essenciais para a produtividade, qualidade no trabalho e saúde.
Por Mariana Vilela, da redação
Uma infinidade de tarefas compõe a rotina e a agenda de muitas pessoas, desde atividades profissionais, estudos e tarefas pessoais. O que a maioria esquece é, colocar na agenda, períodos de autocuidado como exercícios, boa alimentação e, principalmente, períodos de descanso.
E o que você entende como descanso? A psicóloga, professora, mestre, Bianca Gresele, especializada em atendimentos de profissionais da medicina veterinária, explica que muitas pessoas entendem que descansar é apenas o ato de dormir, mas não é só. “Claro que dormir com qualidade é muito importante, tanto é que se um veterinário me perguntar hoje por onde começar o autocuidado, minha resposta é pela higiene do sono. Seja de acordo com a psicologia, neurologia ou biologia, o sono é a base e é o que traz mais impacto em todas as outras áreas, afeta a produtividade e pode acarretar em doenças físicas e mentais quando não há qualidade. Contudo, há outras formas de descanso que também são importantes, além do sono”, alerta.
Bianca Gresele, psicóloga e professora, especialista em psicologia analítica, pós-graduanda em prevenção e pósvenção de suicídio, mestre e doutoranda em psicologia clínica, experiência na área da psicologia na medicina veterinária, membro fundadora e presidente da Associação Brasileira em prol da Saúde Mental na Medicina Veterinária (Ekôa Vet), speaker MSD Saúde Animal, coordenadora do Núcleo de Saúde Mental Vet da Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais (Anclivepa Brasil)
Bianca explica que há o descanso mais amplo, como o final de semana ou dia de folga e cada pessoa consegue descansar de uma forma. “Pode ser deitar na rede e ler um livro, desde que essa leitura não seja relacionada a trabalho, pode ser sair com os amigos, pode ser assistir uma série etc. É subjetivo e precisa fazer sentido para a pessoa que faz”.
Há o descanso da noite, após um dia de trabalho e Bianca reforça que o ideal é chegar em casa e ter um ritual para relaxar e ir dormir. “E há aquele descanso mais curto ao longo do dia, por exemplo, no caso dos veterinários, entre um atendimento e outro, fazer uma pausa de alguns minutos, fugir das telas, ficar no aqui e agora, olhar pra si, prestar atenção em como está se sentindo, sentar se ficou muito tempo de pé e vice-versa, comer e prestar atenção na comida, são instantes para sair do automático e respirar”.
Quanto mais descansado estivermos, melhor será a qualidade do trabalho e mais produtivo seremos. “É isso que as pessoas precisam entender. Atualmente é comum ver pessoas descansando menos, trabalhando mais, estressadas e doentes. Consequentemente, cai a qualidade no trabalho, não tem o mesmo nível de atenção, de entrega, de empatia. Tudo é afetado, físico e mental.”
A psicóloga conta que atende em seu consultório muitos profissionais que não param para descansar e estão sempre com a sensação de ter que estar disponíveis, chegam em casa e continuam respondendo clientes e colegas. “O veterinário incorpora muito esse papel da profissão, quase como se ele não soubesse desempenhar outros papéis. E é importante lembrar que a profissão é só um papel entre muitos outros na nossa vida. Ela é uma função que vamos desempenhar enquanto fizer sentido, mas ela não é a nossa vida”.
Essa ideia de valor ligada a profissão, de acordo com Bianca, é cultural. “É aquele pensamento de que se eu não me destaco na minha profissão, eu não sou ninguém. Descansar não é luxo, é necessidade. O problema é que nesse formato de vida que é imposta hoje pela sociedade de forma geral, onde temos que trabalhar e produzir muito, descansar é visto como um luxo. Uma das coisas que mais trabalho na clínica é a questão das pessoas se sentirem culpadas quando estão descansando ou fazendo alguma coisa que gostam. Isso vem por conta dessa sensação de competitividade que está inserida na mente do ser humano atualmente. Porém, é preciso ter a consciência que você será um profissional muito melhor se estiver descansado e se cuidar”.
Se sentir cansado é fisiológico e muitas pessoas chegam no final do dia e se obrigam a continuar produzindo, recorrendo a energéticos, café e até a medicamentos. “Isso vai contra algo natural do próprio corpo. Você vai esticando a corda até o dia que ela estourar”, alerta Bianca.
Bianca ressalta que temos modos diferentes de funcionamento como físico, cronotipo, personalidade, experiências de vida e, por isso, é preciso saber o que faz sentido para si mesmo para, só então, estabelecer mudanças na rotina.
“Primeiro de tudo analise a sua rotina e seu modo de funcionamento para poder criar objetivos reais e tentar colocar em prática. Não podemos querer fazer as mesmas coisas que uma pessoa que tem uma rotina ou um cronotipo diferente”.
Além disso, Bianca alerta para as metas que são irreais ou inalcançáveis. “É o famoso 8 ou 80, em um dia não faço nada e, no dia seguinte, me obrigo a virar atleta e blogueiro de alimentação fitness. O ideal é ir aos poucos, melhorando hábitos diários dentro da sua rotina. Somente se conhecendo é possível adequar uma rotina equilibrada. No começo vai ter frustração, tem dia que não vai dar certo e está tudo bem”.
Outro ponto importante que Bianca destaca é a importância da rede de apoio. “E isso falta muito na medicina veterinária. Os veterinários trabalham em equipe, mas muitas vezes não se sentem acolhidos uns pelos outros. São profissionais que estão aprendendo a importância desse trabalho em conjunto”.
E para conseguir olhar para o outro, segundo Bianca, primeiro precisamos olhar para nós mesmo. “Por exemplo, no processo de luto, antes de aprender a lidar com o cliente que perde um animal, eu pergunto ao veterinário o que representa o processo de luto para eles. Só entendendo o que o processo de luto significa para nós mesmo, para então poder entender e acolher o outro. É preciso muito autoconhecimento”.
Na avaliação de Bianca, é hora de voltar para a formação de base do veterinário e repensar muitas coisas que estão faltando na graduação. “Os veterinários são profissionais que cuidam e quando escolhemos uma profissão de cuidar, significa que precisamos nos cuidar ainda mais para dar conta desse tipo de trabalho. Porém não é ensinado na faculdade. A graduação deveria também preparar e conscientizar sobre essas demandas emocionais”, ressalta e finaliza: “Não se sintam menos e nem culpados por estarem se permitindo descansar. Lembrem-se sempre de tentar buscar uma rotina equilibrada de autocuidado em todos os contextos: físico, psicológico, social, espiritual, profissional, pessoal”.
Muitas pessoas se dizem sem tempo para o descanso ou se sentem culpadas quando estão em um momento que consideram “não produtivo”. Contudo, os diferentes momentos de descanso, que vai além de uma boa noite de sono, são essenciais para a produtividade, qualidade no trabalho e saúde.