Mesmo tendo recursos e um bom conhecimento na ciência, um médico-veterinário pode ser visto como amador ou sofrer penalidades e processos por falhas ou erros oriundos da falta de gestão técnica
Por Mariana Vilela, da redação
Todos concordam que para ser um bom médico-veterinário, além da prática diária, é preciso sempre se atualizar sobre as diversas técnicas disponíveis em qualquer especialidade. Hoje temos veterinários renomados em diversas especialidades, pesquisas e estudos mais aprofundados, além de recursos de diagnóstico e tratamento que elevam muito a qualidade dos serviços prestados aos animais de companhia.
Contudo, falhas de gestão e comunicação colocam tudo isso em risco e mancham a classe como um todo. E para ser um bom profissional da área hoje é preciso ir além da medicina veterinária e dos recursos disponíveis para salvar e tratar um paciente. Desde 1998 o veterinário é reconhecido como profissional da saúde pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e como tal deve se comportar e se apresentar.
São inúmeras as funções de um veterinário em diferentes setores e, no que diz respeito ao setor pet, é preciso entender o papel dos animais de companhia para a sociedade. Sabemos que os animais, principalmente os cães e gatos, mais do que um membro da família, são o suporte emocional de muitas pessoas. Com isso, o mercado exige cada vez mais uma postura profissional dos veterinários que, por sua vez, sentem-se perdidos ao saírem das universidades que não o preparam para essa realidade.
Outro ponto importante a se considerar, é que alguns veterinários entendem que gestão é para grandes estabelecimentos, o que é equivocado. Investir em gestão não é elitizar o negócio e, sim, profissionalizar e padronizar, desde um consultório a uma rede de hospitais.
Ao atuar como profissional de saúde ou/e abrir um estabelecimento, é obrigatório seguir uma série de normas estabelecidas por órgãos regulatórios diversos. Além disso, a falta de comunicação com o cliente ou com a própria equipe, a falta de gestão de processos e a falta de conhecimento de muitas outras áreas que são essenciais, desvalorizam a profissão e tornam caótica a sua rotina. Falta a visão de um gestor técnico.
O médico-veterinário, professor e consultor, especializado em gestão e marketing (Confira currículo completo na foto), Sérgio Lobato, conta que foi ele quem criou o termo “gestão técnica” que é a utilização da função privativa do médico-veterinário denominada responsabilidade técnica de uma forma mais aprimorada e aplicada, aliada a um conjunto de ferramentas de diferentes áreas, e tem como objetivo proporcionar à medicina veterinária padronização e profissionalização em níveis de excelência e segurança. “A gestão técnica coordena vários universos por meio da utilização efetiva e eficaz da ferramenta responsabilidade técnica. Abrange legislação, biossegurança, relacionamento com cliente, relação comercial, segurança do paciente, marketing, entre outras áreas. É a mãe de todas as gestões e abre portas na medicina veterinária para funções que não existiam há cinco anos como direção clínica, direção técnica e governança hospitalar veterinária”, destaca. Lobato também é presidente da recém-criada Associação Brasileira de Gestão Técnica em Medicina Veterinária (ABGTVet), onde profissionais de diferentes áreas se juntaram para desenvolver ações que contribuam para uma medicina veterinária mais profissionalizada e, consequentemente, mais valorizada.
Sérgio Lobato
Médico-veterinário graduado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), pós-graduação em Marketing, pós-graduação em Estratégia Promocional, MBA em Gestão de Estabelecimentos de Saúde, consultor e palestrante em Gestão da Inovação em Medicina Veterinária, consultor em Gestão Técnica aplicada à Medicina Veterinária, coordenador e docente de cursos de graduação e pós-graduação no Brasil e no exterior, mentoria para acadêmicos e profissionais, consultoria na criação e gestão de negócios veterinários, vistoria técnica de estabelecimentos veterinários, treinamentos e palestras para equipes e organização de eventos
Instagram: @sergiolobatovet
De acordo com Lobato, muitos veterinários não entendem nem mesmo qual é o papel de um responsável técnico em um estabelecimento. “Durante a graduação o tema é tratado de forma muito superficial e a maioria se forma sem entender o que é. Muitos veem a responsabilidade técnica como um papel que assina, que foi o que aconteceu nos últimos 40 anos”.
A médica-veterinária, mestre e doutora, chefe de fiscalização do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Minas Gerais (CRMV-MG) e vice-presidente da ABGTVet (Confira currículo completo na foto), Rafaela Luns, conta que ter trabalhado em uma multinacional, onde teve a oportunidade de passar por vários setores da empresa, a fez abrir os olhos para gestão e processos. Infelizmente ter essa visão não é a realidade para a maioria. “Estou no conselho há mais de 12 anos e o que percebemos é que o médico-veterinário, em sua grande maioria, sabe perfeitamente executar técnicas da medicina veterinária, mas não sabe apresentar essa técnica de forma correta e valorosa ao seu cliente. Alguns exemplos são: não saber apresentar documentos como um prontuário, um plano de trabalho e de serviço, como vai ser realizado determinado procedimento, termos de consentimento, orçamentos, entre outros. E quando acontece algum tipo de desentendimento, o veterinário fica totalmente descoberto, porque ele não conseguiu se caracterizar como um profissional junto ao seu cliente. A maioria dos casos que vemos que envolve desvalorização e processos estão baseados na falta de gestão, planejamento e comunicação, e não em falta de conhecimento da técnica veterinária”, explica.
Rafaela Luns
Médica-veterinária pela Universidade Federal de Viçosa (UFV-MG), mestre em imunologia e parasitologia aplicadas pela Universidade Federal de Uberlândia (MG), doutora em Medicina Veterinária, área de Parasitologia pela UFV-MG, extensão em Business English pela La Verne University, California (Estados Unidos), pós-graduação em Gestão Empresarial e de Negócios pelo Centro Universitário do Triângulo (MG), atualização em docência de Educação Ambiental na Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG), experiência em Produção e Sanidade Avícola como trainee coorporativo e médica-veterinária da empresa multinacional Sadia S/A (Atual BRFoods), docente do curso técnico em Agropecuária de Conselheiro Lafaiete - MG e professora titular na, curso de medicina veterinária na Fundação Presidente Antônio Carlos de Leopoldina (FUPAC/UNIPAC). Atualmente é fiscal médica-veterinária do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV-MG), na Unidade Regional da Zona da Mata (MG).
A profissão de médico-veterinário é regulamentada pela Lei Federal nº 5.517 de 23 de outubro de 1968, que deixa claro a obrigatoriedade da presença de um responsável técnico com registro em todas as empresas veterinárias. Porém, segundo Rafaela, é muito comum o veterinário não entender qual a postura e trabalho dele como responsável técnico. “Em outras profissões há melhor entendimento do papel do responsável técnico, mas ao chegar em alguns estabelecimentos veterinários os próprios funcionários não sabem explicar quem é o responsável técnico do local”.
Existe um documento que o veterinário precisa preencher junto aos conselhos regionais que é a ART – Anotação de Responsabilidade Técnica. Nesse documento há um campo específico que solicita as atividades descritas na responsabilidade técnica. “Muitos entendem que a pergunta é relacionada ao ato médico e respondem, por exemplo: vacinação dos pacientes. Esse é o ato dele no exercício da profissão e não atividade de um responsável técnico. O responsável técnico teria como atividade, por exemplo, verificar a temperatura das vacinas, a validade, o armazenamento, a quantidade do estoque. Essa é a diferença”, explica Rafaela.
A falta desse profissional responsável nos estabelecimentos gera notícias que são frequentes hoje em dia como: “Vacinas vencidas são encontradas em clínica veterinária”. Segundo Rafaela, o veterinário se preocupa em vacinar, mas não se preocupa com a gestão para que esse ato aconteça. “A responsabilidade técnica é o que ele precisa ter planejado para poder realizar o ato de vacinar com segurança. Sem contar que se um cliente vier a reclamar por algo e tiver uma fiscalização, ele está sem controle e fica muito frágil frente ao cliente. E essa fragilidade está sendo cada vez mais exposta”. Outro ponto importante que Rafaela menciona é o envolvimento de muitos outros órgãos, além do conselho, que estão atualizados com a causa animal nos dias de hoje como a Polícia Civil, Ministério Público e Procon.
Por obrigação de normas técnicas e pela Lei Federal nº 6.839 de 30 de Outubro de 1980, cada estabelecimento precisa apresentar apenas um responsável técnico, mas é possível e, segundo Rafaela, recomendado, que quando esse profissional estiver de férias ou de licença médica, ele seja substituído e, isso, deve ficar muito claro para toda a equipe do local. “Um exemplo comum com os funcionários de limpeza, que ficam sem uma orientação adequada de onde guardar um produto de limpeza. Se a vigilância sanitária encontrar um desinfetante comum dentro de um ambiente clínico é uma falha grave e o local pode ser interditado. São esses procedimentos do dia a dia que necessitam dessa figura permanente do responsável técnico. Ele deve ter no mínimo uma carga horária de seis horas por semana na empresa, devendo essa carga horária mínima ser verificada com o CRMV de cada Estado, mas isso não significa que ele só é responsável técnico nesse período, ele é em tempo integral. Isso é outra situação que os colegas não entendem, mesmo não estando presente no momento que houve algum problema, ele é o responsável pelo treinamento dos funcionários e por qualquer ausência de equipamento ou produto 24 horas por dia”.
E para que essa rotina funcione de forma organizada e seguindo normas de diferentes órgãos, é preciso fazer a gestão dos processos, que é um conjunto de práticas que têm o objetivo de buscar o aperfeiçoamento contínuo dos processos organizacionais de uma empresa. Não importa se a empresa é pequena ou grande, esse conjunto de práticas deve ser adaptado para o tamanho do estabelecimento, mas deve existir.
A médica-veterinária, diretora cientifica da ABGVet, Maria Luísa Landman, mestre e especializada na área de gestão executiva em saúde, com experiência em gestão de processos e gestão da qualidade na medicina humana (Confira currículo completo na foto), conta que hoje, entre algumas funções, trabalha com consultoria. “O foco é gestão da qualidade, de negócios e processos para clínicas, hospitais e laboratório, tanto para a medicina humana, quanto veterinária. Desde 2018 eu tenho conseguido levantar essa bandeira da qualidade e da segurança na medicina veterinária. O certo é o certo independente de quem estiver olhando”.
Maria Luísa Landman
Médica-veterinária pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), mestre em patologia experimental e comparada pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), especializada em medicina farmacêutica pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), MBA em gestão executiva em saúde com ênfase em clínicas e hospitais pela Faculdade Getúlio Vargas (FGV). Atua desde 2011 em gestão na área da saúde com ênfase em gestão da qualidade, melhoria contínua e planejamento estratégico, prestando consultorias e assessorias, além de ministrar cursos na área de gestão da qualidade e segurança do paciente
Maria Luísa destaca que um de seus trabalhos na medicina humana foi implementar a gestão de qualidade no Instituto Central do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) para fazer a acreditação. “Os desafios foram muitos para colocar regras, normas e padronizar setores que trabalhavam de formas totalmente diferentes e já enraizadas. Fiquei lá por quatro anos e aprendi a lidar com pessoas, pois era um local onde as equipes estavam acostumadas a trabalhar de determinado jeito há anos”. Segundo Maria Luísa, é comum na implementação de processos ouvir frases como “Eu sempre fiz desse jeito e nunca aconteceu nada”.
Ela observa que fazer gestão da qualidade com todos os processos é algo novo. “Muitos entendem que ao mapear processo é preciso escrever o famoso Procedimento Operacional Padrão (POP). Mas antes disso é necessário escrever o que são itens importantes para a sua rotina de acordo com as necessidades do estabelecimento. E é preciso escrever para que todos façam a mesma coisa no local. É como num jogo de futebol, todos sabem a regra antes de jogar”.
E para organizar esse “jogo”, entra o papel do gestor técnico que, segundo Maria Luísa, precisa ser os olhos tanto da empresa, quanto da sociedade, e garantir que todos os serviços estejam sendo feitos de uma maneira adequada. “Ele tem que gerir, organizar e, no mínimo, saber o que cada setor faz”.
O papel de cada um da equipe também envolve informá-los e conscientizá-los dos riscos do ambiente. De acordo com a médica-veterinária e doutora, Cláudia Binder, diretora cientifica da ABGVet, com experiência internacional na área de segurança de alimentos e experiência em laboratório na área de patologia veterinária (Confira currículo completo na foto), esse colaborador precisa estar ciente dos riscos e ter disponível ferramentas e treinamentos que vão trazer segurança para a sua rotina de trabalho. “São diversos os riscos físicos, biológicos, químicos e acidentes, como exemplo, a mordida de um cachorro”.
Cláudia Binder
Médica-veterinária pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP), doutorado na área de higiene e tecnologia de alimentos (Universidade de Giessen, Alemanha) e MBA em qualidade e segurança de alimentos (SENAI). Foi responsável durante 12 anos pelo controle de qualidade do laboratório clínico veterinário Animalis (São Paulo/SP) onde prestou serviços de análises clinicas, incluindo microbiologia para médicos-veterinários e para agropecuária de todo Brasil. Atuou em assessoria para qualidade, rastreamento de atividades agropecuárias e em implementação de pré-requisitos e boas práticas em serviços de alimentação. Possui formação em sistema NBR/ISO 22000 e de avaliadora para segurança de pacientes pela Organização Nacional de Acreditação (ONA), bem como no programa de acreditação da Associação Brasileira dos Hospitais Veterinários (ABHV). Desde 2019 presta assessoria à estabelecimentos veterinários pela Biomonitor-BR, ajudando médicos-veterinários a implementar boas práticas de funcionamento e a trazer mais biossegurança, no sentido amplo, ao dia a dia da classe. Desde 2022 é diretora científica da Associação Brasileira de Gestão Técnica em Medicina veterinária (ABGTVet).
Hoje Cláudia trabalha com assessoria em biossegurança para estabelecimentos veterinários. “Vi que faltava um apoio e orientações na área de biossegurança e autocontrole em processos. Na indústria de alimentos e na medicina humana isso já é bem regulamentado e existe a obrigatoriedade de ter programas de segurança. Na veterinária isso ainda é muito aberto e depende das habilidades de gestão das pessoas que trabalham no local”.
Cláudia explica que seu trabalho é sensibilizar os veterinários sobre a importância de ter esse olhar de supervisão e fazê-los entender o porquê precisa ser feito de determinada maneira. “Avaliamos quais são as necessidades prioritárias daquele estabelecimento. Se forem, por exemplo, regulatórias iniciamos por elas e vão desde limpeza do ar-condicionado, ao controle de qualidade de água, da temperatura dos equipamentos de refrigeração para armazenamento de vacinas ou amostras biológicas. São itens que a vigilância exige, mas que o veterinário não vê a importância, porque não é algo que reflete diretamente sobre a saúde dos animais ou das pessoas. Precisamos trazer um pouco essa visão mais ampla e entender que os procedimentos veterinários só vão dar certo se os pré-requisitos forem cumpridos. Precisamos assegurar que as condições ambientais, das instalações, dos equipamentos e materiais disponíveis para a prestação de serviços estejam adequados, ao mesmo tempo que o conhecimento técnico, protocolos diagnósticos e terapêuticos sejam atualizados em relação às evidências científicas. Buscamos a segurança do paciente e reduzir riscos assistenciais”.
Cláudia conta um caso de um cliente de uma clínica que reclamou, por meio de um programa de satisfação, que determinada noite ele tentou entrar em contato por telefone com o estabelecimento, que se dizia 24 horas, e não conseguiu. Ele então foi até o local tocou a campainha e ninguém atendeu. “E tinha profissionais presentes, porém o telefone estava no mudo e a campainha estava com defeito, que todos sabiam, mas já estavam acostumados daquele jeito. E isso é falha de gestão técnica”.
Todo ser humano tem medo de errar e, na avaliação de Cláudia, o veterinário não é preparado para isso e sai da faculdade com a visão da perfeição. A assessoria que realiza é online e segundo ela, precisa confiar que o veterinário está expondo tudo sobre as suas possíveis falhas. “O próprio código de ética exige ausência de negligência e imperícia. Então fica difícil identificar o que é a melhoria contínua e o que seria negligência. Por exemplo, se o veterinário estava seguindo um procedimento de rotina e esqueceu algo porque foi interrompido de alguma forma, isso é uma falha sistêmica e não um erro. É preciso identificar as causas de falhas de forma sistemática, dentro de uma cultura justa não punitiva”, explica Cláudia.
Para se criar uma cultura de segurança é preciso falar sobre falhas e erros e buscar a melhoria contínua. “Isso é um desafio para a medicina veterinária. Na medicina humana existem comissões de qualidade, comissões de segurança do paciente, são descritas situações de mortalidade e o que poderia ter sido feito de diferente para que seja aplicado no futuro, aprendendo assim com situações reais do dia a dia. Na veterinária ainda não temos essa cultura, mas acredito que estamos caminhando para isso”.
Essa cultura de identificar e analisar falhas e erros foi o que fez com que a aviação se tornasse uma das áreas mais seguras do mundo. A veterinária Maria Luísa conta que a gestão da qualidade hospitalar utilizada na medicina humana tem como base a aviação. “É muito mais seguro andar de avião do que de carro. O check list e todo o protocolo da aviação fizeram com que o risco diminuísse. E quando há um erro ou uma falha eles conseguem identificar onde foi e ajustar o processo”, ressalta.
E os receios são muitos quando falamos em segurança. Outro ponto importante que Maria Luísa menciona é a consciência de muitos veterinários a respeito da segurança do paciente, mas ainda há medo de usar a nomenclatura. “Por exemplo, todo mundo já passou por uma situação de fuga de um cachorro dentro de uma clínica veterinária. Mas ninguém fala que aquele segundo portão que foi colocado na porta dos fundos é segurança do paciente, mas é. Segurança do paciente é você garantir que dentro do seu ambiente há o mínimo de risco desnecessário para conseguir prestar a assistência adequada”.
Na avaliação de Maria Luísa, a preocupação hoje é focada no atender muito bem tecnicamente esse paciente, e detalhes como a identificação do paciente durante todo o período que ele estiver no estabelecimento, acabam ficando em segundo plano. “Quantas Ninas atendemos em uma clínica veterinária? Como se diferencia uma da outra? A segurança do paciente é algo que está na mente do veterinário, mas ele precisa pensar um pouco mais no processo. Eu sempre falo para os clientes que farei perguntas bobas do tipo: como o paciente vai de um ponto determinado até o centro cirúrgico? Como você garante que aquele animal é ele mesmo? Isso é algo muito importante”.
O fluxo de medicamentos é outro ponto que precisa ser muito bem-organizado. Maria Luísa explica que normalmente os veterinários preparam os medicamentos no mesmo horário e se isso não estiver muito bem identificado, a administração de um medicamento errado pode levar um paciente a óbito. “Muitas pessoas acham que identificar a seringa é preciosismo, mas você pode identificar a bandeja, por exemplo. Outra coisa que acontece muito é passar do horário de administração. É preciso identificar o que há de errado e porque isso está acontecendo. Ao administrar um medicamento no horário errado você pode estar prolongando a estadia do paciente dentro da clínica e piorando a qualidade de vida dele”.
Além disso, cada funcionário precisa entender seu papel no processo. “Trabalhamos muito essa visão do que representa cada integrante da equipe para o paciente. O que a pessoa da higiene e limpeza contribui para o paciente por exemplo? É incrível como a percepção delas muitas vezes é maior do que a dos próprios veterinários e respondem: ‘O meu papel aqui é manter limpo para não passar doença de um cachorro para o outro’. Esse funcionário consegue entender, mesmo do jeito dele, que tem um papel importante no processo”, ressalta Maria Luísa.
Apesar de todas as dificuldades, Lobato ressalta que é preciso ter empatia pelo colega que erra ou falha. “Muitos dos colegas que falham não fizeram de má fé. Os erros e falhas são baseados na falta de conhecimento e falta de orientação.
E o principal pilar da gestão técnica é a educação. Aliás, falha-se muito com a própria segurança dentro dos estabelecimentos e a pandemia veio para escancarar a postura do veterinário”.
E essa educação começa pela legislação. “Para muitos é chato falar de legislação, porque normalmente temos a ideia de que ela está lá para proibir e punir. Porém eu tento mostrar o outro lado e para que vejam a legislação como uma ferramenta de valorização da profissão e do próprio negócio. É impressionante como muitos se formam e não tem a noção de que existe um código de ética e resolução de responsabilidade técnica. Muitos profissionais só vão procurar saber depois que seu estabelecimento recebe a fiscalização e é multado”.
De acordo com Lobato, a profissão é muito romantizada, principalmente para os que seguem a clínica de animais de companhia. “Eu falo para os meus alunos que o sonho é muito importante, mas é preciso se preparar. Estamos em um momento em que a sociedade está muito diferente no que se refere a comportamento e existem muitas oportunidades na profissão. Porém, não importa a área, é preciso se comportar como profissional da saúde. Para que não aconteça novamente como aconteceu durante a pandemia quando pessoas fizeram piadinhas e questionaram o porquê veterinário entra como prioridade para tomar a vacina”, conclui.
A Associação Brasileira de Gestão Técnica em Medicina Veterinária (ABGTVet) reúne consultores de diversas áreas como biossegurança, segurança do paciente, gestão de processos, regulatórios, fiscalização entre outras. Segundo Lobato o trabalho é divulgar a gestão técnica como parte integrante da medicina veterinária. “É uma associação para todos os médicos-veterinários, independentemente da especialidade”.
O objetivo é também levar essa conscientização para os futuros veterinários. “Há um projeto chamado Campus Party, onde vamos falar sobre gestão e responsabilidade técnica dentro das universidades. Temos que começar a mostrar para esses jovens a importância das questões éticas e profissionais, além de mostrar que existem outros campos de trabalho”, informa Lobato.
Outra ação da associação é o VetDefense, primeiro seminário sobre defesa da clínica veterinária para abordar as grandes dores dos clínicos veterinários de animais de companhia.
Rafaela destaca que a associação surge a partir da concreta necessidade de um organizador amplo, não do ato médico, mas sim tudo que envolve esse ato médico. “Infelizmente ainda é um assunto visto como secundário e nosso objetivo é solidificar a instituição, atrair novos sócios e parceiros. Temos que colocar foco na valorização da gestão e na adesão para que possamos caminhar de forma mais coerente. Muitos profissionais esperam por uma melhor remuneração, mas as normas trabalhistas e as de precificação são totalmente desconhecidas”.
Mesmo tendo recursos e um bom conhecimento na ciência, um médico-veterinário pode ser visto como amador ou sofrer penalidades e processos por falhas ou erros oriundos da falta de gestão técnica