Para muitos recém-formados em medicina veterinária a grande dificuldade é saber como aplicar no mercado de trabalho o conhecimento adquirido durante a graduação e por onde começar
janeiro 3, 2023
18:56
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Sumário
Por Mariana Vilela, da redação
Começar e terminar uma faculdade é um sonho para muitos brasileiros. Porém o momento de buscar um lugar no mercado de trabalho, pode ser muito estressante e desafiador. Deixar o mundo da teoria e partir para a realidade faz com que surjam muitas dúvidas, entre elas a dúvida sobre a própria capacidade de aplicar o que se aprendeu. Segundo relatório publicado em 2019 pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), 83,5% dos graduandos relataram vivenciar alguma dificuldade emocional que interfere na vida acadêmica, entre elas a expectativa em encontrar um trabalho na área.
Além disso, a concorrência a medicina veterinária só aumenta no Brasil. De acordo com o censo do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) em 2017 eram 117 mil médicos-veterinários e, em 2021, eram mais de 154 mil, um crescimento de 23% em três anos, uma média de 12.300 novos profissionais por ano.
Gestão de carreira começa com a graduação
O médico-veterinário, fundador e sócio gestor do Hospital Veterinário Santa Mônica em Curitiba (PR) (@hvsantamonica), diretor fundador da Associação Brasileira dos Hospitais Veterinários (ABHV) e Associação Nacional de Médicos Veterinários (ANMV), e conselheiro efetivo do Conselho Regional de Medicina Veterinária no Paraná (CRMV-PR), Roberto Lange afirma que a preocupação e o preparo do aluno para a transição da vida acadêmica para o mercado de trabalho devem começar logo no início da graduação. “É importante lembrar que a medicina veterinária tem muitas áreas de atuação e é preciso ter um planejamento desde o início. Óbvio que no primeiro ano da faculdade a maioria dos alunos ainda não sabe em que área quer atuar e, por isso, precisará experimentar e conhecer. Minha sugestão é que o aluno procure ter contato com várias áreas no início do curso como animais de produção, saúde pública, clínica de pequenos etc, para quando chegar no terceiro ou no máximo quarto ano, ele já saiba com qual área ele mais se identifica. Após isso, ele poderá focar suas atividades e melhorar seu currículo. A falta de identidade no final no curso é o que mais gera frustração nos alunos. Algumas habilidades são treinadas, mas nem todas são, por isso é importante o aluno conhecer as áreas e suas próprias habilidades”.
Roberto Lange, médico-veterinário, fundador e sócio gestor do Hospital Veterinário Santa Mônica em Curitiba (PR), diretor fundador da Associação Brasileira dos Hospitais Veterinários (ABHV) e Associação Nacional de Médicos Veterinários (ANMV), e conselheiro efetivo do Conselho Regional de Medicina Veterinária no Paraná (CRMV-PR)
E foi esse caminho percorrido pela médica-veterinária, Fernanda Conte. Formada desde 2021, Fernanda está no primeiro ano de residência em cirurgia veterinária de pequenos animais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e conta que, em 2016, realizou seu sonho ao entrar no curso de medicina veterinária da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Logo que eu entrei na faculdade minha irmã mais velha, que já tinha cursado odontologia, me instruiu a fazer atividades extras durante a graduação para contribuir com o aprendizado. Então participei de projetos, monitorias e comecei a formar meu currículo. Iniciei na área de patologia, fui bolsista por três anos. Mas meu interesse era pela oncologia veterinária, tanto a parte clínica quanto cirúrgica. Na patologia não tinha muito contato com pacientes. Então decidi focar no estágio clínico e cirúrgico, voltado principalmente para oncologia”, conta Fernanda.
Fernanda Conte, médica-veterinária, residente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
A partir do quinto semestre Fernanda direcionou seus estudos para a oncologia. “Fiz estágios em algumas universidades e em algumas clínicas. Fui monitora de algumas disciplinas na graduação, entre elas anatomia veterinária, técnica cirúrgica e bolsista no bloco cirúrgico. A graduação não te prepara totalmente para o mercado de trabalho. É muita teoria e pouca prática. Vi que só aquele conteúdo não iria bastar para eu poder seguir na área de cirurgia e oncologia que eu gostaria. Então comecei a direcionar meu currículo para essa área e foquei na prova de residência”, explica Fernanda.
A residência é a oportunidade da prática que falta na graduação. “Passei em quatro instituições: na UFRGS onde escolhi, da Universidade Federal do Paraná, na Universidade de Passo Fundo e na Universidade Estadual de Londrina. Além do curso preparatório para residência que eu fiz com a escola Veteduka, o que me ajudou muito a passar foi meu currículo, pois desde o início da graduação fiz muitas atividades além da grade obrigatória e isso foi um diferencial. Muitos alunos demoram para começar a fazer essas atividades. As universidades não estimulam e os professores não falam. Eu tive a sorte de estar inserida em um laboratório que sempre me incentivou a fazer muita coisa fora da sala de aula, além da minha irmã que me alertou desde o início. Muitos alunos só percebem isso lá pelo quinto ou sexto período. E então acaba sendo bem corrido para fazer um currículo de atividades extras e conciliar com a rotina de estudos da grade”.
Na avaliação de Roberto, o ideal é que todo aluno tivesse a oportunidade de ingressar na residência, mas infelizmente essa é uma realidade para a minoria, devido ao grande número de alunos e poucas vagas de residência no país. “Aquele que consegue ingressar em uma residência, já deve estar ciente do que quer quando ingressar”, afirma Roberto.
"O ideal é que todo aluno tivesse a oportunidade de ingressar na residência, mas infelizmente essa é uma realidade para a minoria". Roberto Lange
Fernanda hoje trabalha 60 horas semanais como residente e mais plantão. “Intercalamos as funções. A minha especialidade é a cirurgia, mas também há períodos de acompanhamento da internação, atendimento dos pacientes, triagem. A residência te prepara para o mercado de trabalho. Na universidade as horas de cirurgia são poucas, pois são muitos alunos. Eu percebi que para eu ser uma cirurgiã eu precisava da residência. A residência é indispensável pela questão prática e real. Na graduação não há tempo suficiente para se ter a prática necessária e se preparar para o mercado de trabalho, pois aprendemos um pouco de tudo sem aprofundar”. Para o futuro Fernanda tem planos de fazer uma pós-graduação e um mestrado direcionados as áreas de oncologia e cirurgia veterinária.
"Desde o início da graduação participei de projetos, monitorias e comecei a formar meu currículo". Fernanda Conte
Cursos de aperfeiçoamento e muita paciência com o processo
Outra orientação que Roberto dá aos alunos é não iniciar uma pós-graduação logo que finalizar a graduação. “Para que o curso de pós-graduação seja bem aproveitado, o aluno precisa saber o que ele quer e já ter tido alguma vivência na área. Para aqueles que não conseguem ingressar em uma residência, a melhor escolha é fazer cursos de aperfeiçoamento. É um tipo de curso mais rápido e que pode ser até mais produtivo que uma pós para alguns profissionais naquele determinado momento. O mundo está avançando muito rápido e o aprendizado deve ser constante. Eu mesmo busco fazer cursos de aperfeiçoamento sempre que posso. Além disso, o curso de aperfeiçoamento envolve muito a prática, diferente de uma pós”.
O imediatismo também é outro ponto que, na opinião de Roberto, é algo que prejudica e frusta muito os futuros profissionais da nova geração. “Há um processo de aprendizado após a graduação. No começo ele não vai ganhar o dinheiro que ele esperava, talvez ele queira mudar de área durante o processo e recomeçar, são coisas que acontecem e que é preciso paciência”.
Além disso, Roberto destaca que, segundo os dados recentes do site e-Mec do Ministério da Educação, são mais de 550 faculdades de medicina veterinária no Brasil. “Um aluno para se destacar em meio a tanta concorrência, deve ter conhecimentos que vão além da medicina veterinária, como, por exemplo, o contato interpessoal. Não basta apenas saber cuidar dos animais, é preciso também saber se relacionar com as pessoas e ter uma visão global da profissão. O profissional precisa ser um gestor financeiro das suas próprias finanças, precisa fazer um planejamento da sua própria carreira”, ressalta Roberto.
A distância entre ensino e realidade
O médico-veterinário e proprietário da escola Veteduka (@veteduka), João Amadio, avalia que esse aumento do número de cursos de veterinária no Brasil, faz com que não haja padrão e qualidade no ensino, e cria grande lacuna entre o que se aprende em sala de aula e o que acontece na rotina prática. “Trabalhei durante muito tempo em um hospital veterinário 24 horas e tive a oportunidade de ter contato com muitas pessoas, incluindo estagiários de diversas localidades do Brasil. Nesse período consegui observar quais eram as dificuldades e a principal delas é a aplicação do que se aprende na faculdade”.
João Amadio, médico-veterinário, sócio da escola Veteduka (Curitiba/PR)
De acordo com João, uma das principais dúvidas dos alunos é: “como se tornar uma realidade no mercado? Eles têm muita dificuldade em identificar como entrar no mercado de trabalho que é muito competitivo e, ao mesmo tempo, essa concorrência tem muita relação com a falta de conhecimento. O aluno sai da faculdade e pensa: Há milhares de universidades e milhares de veterinários formados. Mas se esse aluno tiver conteúdo e souber aplicar, fica muito menos concorrido. Na outra ponta, temos muitos donos de clínicas e hospitais veterinários que precisam o tempo todo de mão-de-obra e não encontram profissionais capacitados”, ressalta.
Ao observar esse cenário e essa necessidade dos alunos em melhorar essa aplicação da teoria para a prática, João decidiu contribuir com a medicina veterinária de forma diferente. Em 2015, em parceria com sua esposa, Mariana Amadio, também médica-veterinária, deu início a escola Veteduka. “A missão principal da escola é salvar vidas por meio da educação. Ao auxiliar esses alunos em como colocar em prática a teoria e como fazer essa transição do ambiente acadêmico para o mercado de trabalho, estamos ajudando também a valorizar cada vez mais a medicina veterinária. Esse é o nosso Norte”.
"Ao auxiliar os alunos em como colocar em prática a teoria e como fazer essa transição do ambiente acadêmico para o mercado de trabalho, estamos ajudando também a valorizar cada vez mais a medicina veterinária". João Amadio
Ao observar esse cenário e essa necessidade dos alunos em melhorar essa aplicação da teoria para a prática, João decidiu contribuir com a medicina veterinária de forma diferente. Em 2015, em parceria com sua esposa, Mariana Amadio, também médica-veterinária, deu início a escola Veteduka. “A missão principal da escola é salvar vidas por meio da educação. Ao auxiliar esses alunos em como colocar em prática a teoria e como fazer essa transição do ambiente acadêmico para o mercado de trabalho, estamos ajudando também a valorizar cada vez mais a medicina veterinária. Esse é o nosso Norte”.
Preparados para o plantão
Antigamente, o plantão era uma porta de entrada para os recém-formados e, isso já não é mais uma realidade. De acordo com Roberto do HV Santa Mônica, o plantão é uma das atividades dentro da clínica médica que exige muito do profissional, que precisa ter conhecimento multidisciplinar, além estar preparado emocionalmente para atender casos que nunca viu, para lidar com perdas e para atender sozinho. “Infelizmente só a universidade não prepara o veterinário para essa atividade e o mercado precisa muito de profissionais capacitados”.
E por conta dessa demanda por plantonistas mais preparados, o primeiro curso desenvolvido pela Veteduka foi o preparatório para plantonistas veterinários em 2015. “O curso foi presencial e foi um sucesso, os alunos adoraram, porque trouxemos profissionais que estavam trabalhando no dia a dia para passar aos alunos a experiência da rotina na prática. Na faculdade normalmente se vê apenas profissionais que passam a base teórica, muito importante, mas que muitas vezes são insuficientes para a aplicação na rotina. A aplicabilidade sempre foi também um pilar muito importante na escola para a construção dos nossos cursos”.
O plantão é uma das áreas que mais exige preparação, pois o plantonista, além de lidar com muita emergência, trabalha também com muita urgência, que são situações que precisam de atenção e não são somente os casos de atropelamentos, quedas ou qualquer outro acidente. “Existem muitas urgências de pacientes que estão descompensados, por exemplo, pacientes renais, cardiológicos e se o profissional de plantão estiver preparado para atender, conseguirá salvar muitas vidas. Por isso, nosso curso de plantonista não é baseado somente em emergência. Tem um bloco de emergências, um bloco de nefrologia, um bloco de cardiologia, outro de neurologia etc. São várias situações que podem acontecer na rotina. Até mesmo um problema oftalmológico, por exemplo, pode ser urgente e, se não atendido da maneira correta, se torna uma emergência”, finaliza João.
Programa de aprimoramento interno Pet Care
E por conta da demanda por profissionais capacitados, algumas clínicas e hospitais veterinários elaboram e oferecem o próprio programa de aprimoramento para preparar jovens sem experiência na rotina. É o caso da rede de hospitais veterinários Pet Care. O programa de capacitação tem duração de dois anos e oferece atuação com supervisão na prática nos hospitais da rede.
Para a médica-veterinária Carla Bel, fundadora da rede de hospitais veterinários Pet Care (@hv_petcare), o recém-formado normalmente chega com um conhecimento insuficiente para poder exercer a profissão. “O ideal é que esses veterinários recém-formados trabalhem inicialmente como trainees, onde eles possam contar com a supervisão de outros veterinários experientes. E por isso no Pet Care oferecemos um programa de aprimoramento para a capacitação desses profissionais”.
Carla Bel, médica-veterinária, fundadora da rede de hospitais veterinários Pet Care
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junho 22, 2023
18:56
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