O processo de triagem para chegar a um diagnóstico é longo e o entendimento e cooperação do tutor fazem toda a diferença nesse trajeto. Por isso, o sucesso de um tratamento adequado para aquela família está na boa comunicação com o cliente. Quem fala sobre o assunto nessa edição é a médica-veterinária, Carolina Hass Leal
O processo de triagem para chegar a um diagnóstico é longo e o entendimento e cooperação do tutor fazem toda a diferença nesse trajeto. Por isso, o sucesso de um tratamento adequado para aquela família está na boa comunicação com o cliente. Quem fala sobre o assunto nessa edição é a médica-veterinária, Carolina Hass Leal
Por Mariana Vilela, da redação
Diagnosticar uma alergia em cães e gatos é um desafio para os médicos-veterinários e, quando se trata de alergia alimentar, o desafio fica ainda maior, pois a resposta clínica depende muito do entendimento e cooperação do tutor por conta da rotina alimentar. Antigamente a literatura dividia as alergias em: alergia alimentar, alergia atópica e alergia a picada de pulga. De acordo a médica-veterinária Carolina Hass Leal (@alergiapet), que atua na área de dermatologia/alergologia e imunoterapia na região da grande Florianópolis (SC), hoje há o entendimento de que as alergias podem caminhar juntas. “O cão que tem uma dermatite atópica pode também ter uma alergia alimentar ou qualquer outro tipo de alergia. Estima-se que 1/3 dos cães com alergia atópica possa ter alergia alimentar ou a influência de algum alimento na alergia”.
Carolina é mestranda na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC – Campus Curitibanos/SC), em Medicina Veterinária Convencional e Integrativa, e está desenvolvendo uma tese de mestrado sobre a utilização do prick teste para fazer a dieta de exclusão. Ela explica que o objetivo do trabalho não é usar o teste para fazer o diagnóstico de um cão com alergia alimentar e, sim, analisar se somente usando o prick teste seria suficiente para selecionar uma dieta para o paciente que esteja em processo de triagem de alergia alimentar.
Além de atender com frequência pacientes alérgicos, Carolina conta que convive há muito tempo com cães alérgicos. “Me interesso muito por esse tema e convivo com ele, pois minha cachorra tem alergia alimentar e já tive outra que também tinha. Entre as alergias, a alergia alimentar é considerada a menos comum e há uma estimativa de 10 a 15% dos cães com dermatopatias alérgicas possuírem alergia alimentar. Dentro do mundo alérgico é um número baixo”, explica.
Na avaliação de Carolina talvez o número ainda seja baixo por conta da dificuldade de se diagnosticar a alergia alimentar e pela falta de mais literatura sobre o assunto. “Acredito sim que existe um subdiagnóstico de cães alérgicos alimentares e, também, na falta de estudos sobre como os alimentos podem influenciar em uma dermatite atópica, na intensidade das reações alérgicas, pois as alergias podem caminhar juntas. É um tema que vem sendo cada vez mais estudado, contudo, os veterinários ainda não têm muito embasamento da literatura para seguir um diagnóstico correto. Além disso, há muitos mitos e informações erradas que chegam ao tutor o que atrapalha”.
Entre o cão e gato, Carolina destaca que em sua rotina clínica ela vê com mais frequência cães serem diagnosticados com alergia alimentar. “O processo de triagem é igual para ambos, mas o cão tem mais bem definido as reações alérgicas e acaba sendo um pouco mais fácil o diagnóstico. No gato os sinais clínicos são diferentes, por isso o diagnóstico é um pouquinho mais difícil e existem menos medicações para trabalhar com o felino. Talvez seja por isso que vemos mais cães com o diagnóstico”.
Uma das principais dificuldades, na avaliação de Carolina, ao atender pacientes alérgicos é fazer a triagem correta. Um dos pontos que mais interfere nessa triagem é a falta de aceitação de alguns tutores em fazer uma alimentação mais restrita e entender que determinado alimento possa ser o causador da alergia. “Há muitos desafios no processo de triagem, pois o diagnóstico de uma alergia é clínico. Por isso precisamos associar todo o contexto histórico clínico do animal como as medicações que ele já usou, quais não tiveram sucesso no tratamento e os sinais clínicos”, explica e ressalta: “O desafio maior hoje talvez seja chegar em um consenso com o tutor do que seria fazer a triagem alimentar e explicar o porquê fazemos um protocolo de exclusão e não simplesmente determinamos que é tal alergia, pois muitas vezes os diferentes tipos de alergias caminham juntos. Há casos em que a medicação não está tendo o efeito desejado para a dermatite atópica e pode haver algum alimento que possa estar influenciando. Por isso seguimos a triagem que é excluir a alergia a picada de pulga com medicamentos por um tempo determinado, ver se há uma boa resposta clínica, seguido de triagem alimentar e, caso não haja indicações de alergia alimentar, seguimos para a avaliação de uma possível dermatite atópica. Esse processo longo é a principal dificuldade”.
Outra questão que é bastante comum é o tutor não entender a diferença entre intolerância e alergia. “A intolerância é a incapacidade de digestão do alimento, de não produzir determinada enzima para digerir determinado alimento. É uma reação adversa, mas não uma alergia. A intolerância é diferente do processo alérgico, porque não envolve reação imunológica. Já a alergia é um processo mediado por células ou anticorpos. Em alguns casos os sinais clínicos são parecidos, mas o mecanismo é diferente. Isso existe muito na medicina humana também, essa confusão com os termos intolerância e alergia. Eu tenho um filho com intolerância à lactose e se ouve pessoas dizer a frase: ‘alergia ao leite’. São coisas bem diferentes e os tratamentos são diferentes”, explica Carolina.
A intolerância pode causar na maioria das vezes desconforto abdominal e diarreias, mas isso não quer dizer que o cão alérgico não possa apresentar sintomas gastrointestinais. “No caso do cão alérgico é mais comum apresentar reações cutâneas. O prurido é muito presente, então a coceira vai estar presente, lambedura de patas em excesso, lesões orais, confunde um pouco com dermatite atópica. A intolerância já é uma área para o gastroenterologista, então não vejo na minha rotina, mas o que se vê muito são animais de determinadas raças apresentando condições como síndrome do intestino irritável. Acredito que talvez ainda seja subdiagnoticada essa questão de intolerância, porque os exames para intolerância não são comuns na medicina veterinária”, avalia.
Os testes que existem hoje não servem para fechar um diagnóstico alérgico alimentar, pois o diagnóstico é clínico. Segundo Carolina, há diversos estudos sendo realizados, nacionais e internacionais, sobre testes que podem ajudar a, talvez, determinar uma alimentação para ver a possível reação do animal, mas não fazer um diagnóstico.
Para Carolina, é compreensível que os tutores busquem por respostas e um diagnóstico o quanto antes. “Cabe aos veterinários explicar todo o processo da triagem e deixar claro que não há um exame específico que defina uma alergia. É complicado fazê-los entender que não existe uma resposta pronta. O processo é longo até estabilizar o paciente alérgico. E por conta disso vejo a frustração dos tutores com frequência. Sempre tento explicar para o tutor que os detalhes da rotina daquele animal, como, por exemplo, se ele comeu um pedaço de frango hoje e dias depois começou a se coçar, esse tipo de situação me fala muito mais do que qualquer exame. É importante ele entender que cada detalhe da rotina, que as vezes podem passar despercebidos dentro de casa, podem mudar a vida do cão alérgico. Há tutores ainda que não conseguem acreditar ou entender que uma picada de pulga em um animal alérgico pode provocar uma reação por conta das proteínas na saliva da pulga”.
Outro ponto importante, segundo Carolina, é explicar ao tutor que há muitas rações no mercado como: hipoalergênica, hidrolisada, com diferentes ingredientes. “Há tutores que dizem que já tentaram ração hipoalergênica e não funcionou. Mas há casos que o paciente não tem uma resposta satisfatória com a triagem alimentar com a ração, porque aquela ração não era a mais adequada para ele. Há estudos que mostram que o resultado pode mudar de uma marca para outra, com os mesmos ingredientes. Talvez seja por conta do processo de hidrolise, mas é importante o tutor entender isso”.
A ração hipoalergênica normalmente é usada para fazer o diagnóstico. Após isso é feito o desafio alimentar e se oferece o alimento que o animal tinha contato antes para ver se há reação e se houve sucesso com aquela dieta hipoalergênica. “Se houve boa resposta mantém-se a ração hipoalergênica. Só é preciso ficar atento com a quantidade de gordura desse alimento, pois isso pode prejudicar outras condições que o paciente já apresente. Outra possibilidade é fazer a triagem por tentativas e testar um alimento por vez como é feito em criança, um alimento por semana”.
A proteína tende a ser a principal causa de alergia alimentar em cães e gatos, porque sua unidade de massa atômica é maior. “Não que outros alimentos não possam causar reação. É preciso analisar se aquele alimento quando oferecido causa alguma reação, por isso não podemos excluir totalmente que o carboidrato, por exemplo, não possa causar uma reação”.
Ao avaliar o paciente, Carolina explica que as perguntas precisam alcançar todo o histórico de vida daquele animal. “Perguntas como: Quais foram os primeiros sinais clínicos? Quando apareceram e como foram se desenvolvendo ao longo da vida desse animal? Por exemplo, há casos em que o animal começou com uma otite, tratou e voltou depois de alguns meses. Inicialmente as reações não serão crônicas e muito intensas, mas se intensificará ao longo da vida desse animal”.
De acordo com Carolina, uma otite recorrente se não tiver um porquê de estar acontecendo como um tumor ou um objeto estranho no conduto, e se ela apresenta lesões bem características de uma reação crônica com eritema, hiperpigmentação, hiperqueratose, já pode ser um sinal clínico de alergia. “E muitas vezes o tutor nem imagina que a otite recorrente pode ser alérgica, ele só se dará conta, quando o cão já está lambendo a pata, já tem lesões na axila, pescoço. Um mito muito comum entre os tutores é achar que se for água no ouvido do cão no momento do banho pode causar otite. Outro ponto importante para explicar ao tutor é que muitas vezes ele acredita que a otite não tem relação com o resto do corpo e que a coceira da pata foi porque o cachorro cocou com a pata e em seguida a orelha ou vice-versa. Mas a pele é um órgão só. Se um animal tem uma reação cutânea, de lamber pata, muito provavelmente ele terá no ouvido, pois esse local tem uma barreira cutânea mais comprometida”.
O tratamento vai iniciar depois de explicar e expor as possibilidades ao tutor. Carolina destaca que existem medicações de uso contínuo para todas as alergias e há tutores que não querem passar pelo processo de triagem, mas sempre é preciso deixar claro a importância de se realizar a triagem. “Há pacientes com alergia alimentar que não precisariam utilizar medicação continua. Mas também não podemos obrigar o cliente aderir uma dieta que para a rotina dele não é possível. É preciso entender a rotina desse cliente, se ele quer e pode fazer uma triagem com ração hipoalergênica ou alimentação natural. Cada família tem uma rotina, existem famílias que tem crianças ou idosos em casa que tendem a não seguir as dietas. Não adianta ficar perdendo muito tempo, pois vai frustrar todo mundo, desde o próprio veterinário até o tutor e toda sua família, além de ser dinheiro perdido e não queremos isso para o cliente. O tratamento ideal será sempre aquele que terá melhor resposta para o paciente, no menor tempo possível e adequado para a família do animal”.
O processo de triagem para chegar a um diagnóstico é longo e o entendimento e cooperação do tutor fazem toda a diferença nesse trajeto. Por isso, o sucesso de um tratamento adequado para aquela família está na boa comunicação com o cliente. Quem fala sobre o assunto nessa edição é a médica-veterinária, Carolina Hass Leal